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Pesquisas em Arte

Franz Weissmann – e a interseção biográfica e artística na cidade

(Texto originalmente publicado em ARCURI, Christiane. “Arte pública – esculturas em deslocamento na cidade do Rio de Janeiro” In CHAGASTELLES, G. Ensaios de Imagens: Deslocamentos. Rio de Janeiro: Multifoco, 2018.)

O escultor Franz Joseph Weissmann nasceu em 1915, na cidade de Knittelfeld, Áustria. Em 1921, chega ao Brasil com a família, fixando-se no interior do estado de São Paulo. Em 1924, muda-se com a família para o Rio de Janeiro fugindo da crise econômica da cidade paulista. Frequenta o curso preparatório para a Escola Politécnica e trabalha com seu irmão Fritz, na fábrica Ciferalde carrocerias de ônibus, fundada por seu pai.

Weissmann ingressa, em 1939, na Escola de Belas Artes (ENBA) e estuda Arquitetura e Pintura. Abandona a academia por volta de 1941 ao buscar um pensamento “mais livre” e passa a estudar no ateliê do escultor polonês August Zamoyski, entre 1942 e 43. Com o artista, aprende as técnicas tradicionais de escultura, com materiais como pedra, barro, gesso e bronze. A princípio figurativa, a escultura de Weissmann vai aos poucos simplificando-se e tendendo para uma ordem geométrica e abstrata.

Transfere-se para Belo Horizonte em 1945 onde estava seu outro irmão Karl. Neste mesmo ano recebe o convite de Alberto da Veiga de Guignard para lecionar modelo vivo e modelagem na recém criada Escola de Arte Moderna de Belo Horizonte (Escola do Parque), idealizada pelo prefeito Juscelino Kubitschek. Torna-se professor até o ano de 1956. Como incentivador da obra do escultor Amilcar de Castro inicia, então, um processo de abstração do figurativo. Em 1949, no Rio, recebe o primeiro prêmio de desenho no Salão Nacional de Arte Moderna.

A partir da década de 1950, Weissmann tem a verticalidade como tema e as colunas como formas – ambas, características constantes e singulares –, o que o distingue de outros artistas modernos brasileiros. Com suas investigações e criações estéticas, persistentes até o final de sua vida, inicia as primeiras experiências construtivas no campo da escultura, com obras em bronze, cimento, argila e fios de aço. Ao explorar a forma do cubo no espaço vazio, sua pesquisa culmina na obra Cubo Vazado – rejeitada na 1ª Bienal de São Paulo, em 1951 -, considerada uma das primeiras esculturas construtivas brasileiras. Weissmann dá início às pesquisas voltadas ao abstracionismo geométrico e à arte concreta.

A obra Cubo Vazado torna-se importante na sua trajetória porque é a partir dessa obra que há um rompimento definitivo do artista com a figuração. Weissmann pensa a forma do cubo como recurso tridimensional e, a forma do quadrado, como elemento plano. O cubo desarticulado pode ser aberto desprovido de seu núcleo compositivo, porém é imprescindível que seja equilibrado por uma de suas arestas. Em entrevista a Paulo Venâncio Filho (1998:9), Weissmann diz que “é como se seu peso tivesse sido abolido. A posição é virtual, não absoluta. O vazio se torna uma outra dimensão, presente e sensível. O vazio ocupa, preenche e positiva: fica, por assim dizer, concreto”.

É na 1ª Bienal de São Paulo, em 1951, que Weissmann conhece os trabalhos de Max Bill, artista e arquiteto suíço, ex-aluno da Bauhaus (escola alemã de Design) e principal difusor das vanguardas construtivas. Bill defendia que a arte concreta alcança a máxima fidelidade a si própria, como pura expressão de medida e de lei – ambas, harmoniosas. Agencia sistemas e dá vida a esses agenciamentos com os meios dos quais a arte dispõe. Para os concretistas, a arte alargar-se ao universal; rejeita a individualidade – apesar de em benefício do indivíduo.

A premiação da Unidade Tripartida de Max Bill na 1ª Bienal de São Paulo foi decisiva para o surgimento do movimento concretista no Brasil. Seus objetivos foram traçados como ilimitados e se diferenciavam dos, até então, estilos figurativos. Nada há nada de sentimental, nacionalista ou romântico. Contudo, o produto artístico não provém de uma mente irracional (como os surrealistas e demais realistas mágicos), mas da mente racional e consciente de um artista livre de qualquer ilusionismo – e de simbolismos. Os conceitos para o ponto de partida da construção da obra são matemáticos e científicos, o que resulta em estruturas características de grades e formas geométricas, como elementos mínimos de forças máximas do campo especificamente plástico. É importante lembrar que o concretismo ainda persiste como tendência na arte da contemporaneidade – além de ter sido absorvido também no design, moda, publicidade, televisão, vídeo, cinema e internet.

Por volta de 1953, o artista faz esculturas com barras delgadas de aço inox e alumínio – uma espécie de desenho no espaço. Utiliza também elementos geométricos articulados em módulos, estabelecendo ritmos de cheios e vazios. E é em 1954, que constrói o obelisco de concreto de 15 metros de altura chamado Monumento à liberdade de pensamento, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. Considerado o primeiro monumento público concretista brasileiro, embora tenha sido destruído em 1962 sob a alegação de que estava atrapalhando o trânsito da cidade.

Weissmann volta a residir no Rio em 1956, quando integra o Grupo Frente, aliança que promove as exposições de arte concreta no Museu de Arte Moderna de São Paulo e também do Rio de Janeiro. Certa vez, numa entrevista, Weissmann (SILVA, 2002:7) proferiu:

O concretismo, a meu ver, é a superação da arte dita abstrata. O abstrato parte sempre de um determinado objeto, ou série de objetos, que são despojados de sua individualidade e transportados ao mundo plástico em formas e cores. O concretismo, em resumo, tem como ponto de partida a ideia e sua objetivação na obra de arte. É, vamos dizer, a visualização artística de uma ideia.

Em 1953 e 1955, respectivamente, o artista recebe o prêmio de melhor escultor na IV Bienal de São Paulo. Em 1958, recebe o prêmio de viagem ao exterior do VII Salão Nacional de Arte Moderna. Em 1959, assina – juntamente com Ferreira Gullar, Amilcar de Castro, Lygia Clark, Lygia Pape, Hélio Oiticica, entre outros -, o Manifesto Neoconcreto. Os neoconcretistas rebatiam o racionalismo, a rigidez e o cientificismo do movimento concretista. Defendiam o abstracionismo geométrico sem perda da dimensão humana, sensível e intuitiva da arte. A relação com a realidade é mantida, mas entende-se que a arte transcende essa aproximação. O vocabulário geométrico se presta à expressão da complexidade humana, e não lhe suprime a imaginação. Um movimento não dogmático, aliado à expressão, sem abandonar as questões acerca da forma. Defendiam uma síntese entre a razão e a emoção. Cada artista deveria preservar sua individualidade e liberdade crítica.

Ferreira Gullar (2005), mais recentemente, realiza um poema concreto sobre a obra de Weissmann:

OS FIOS DE WEISSMANN 
 
O espaço é nada?
(o nada, dizem
os físicos,
             é energia)
 o espaço
é também
idéia, pos
         sibili
         da
         de de
impre
        vistos
               a
                   bis
                mos
 o espaço
é
   nada
   ao olho
 a menos
que
      o escultor
      o torne visível
        por
       um
       fio 

Ferreira Gullar
25 / 07 / 2005
GULLAR, Ferreira. Poema neoconcreto.
Disponível em < http://www.fw.art.br/fios.htm>
Acesso em: 03/07/2018

Na década de 1960, Weissmann desenvolve suas experiências artísticas em Paris, Roma e Madri.

Na década de 1970, retoma a questão construtivista e inicia as esculturas luminosas e monocromáticas. Em 1971 participa da Bienal de Escultura ao ar livre de Antuérpia (Bélgica) e, em 1972, da Bienal de Veneza, Itália.

Desde 1975, dedica-se à execução de esculturas com vieses concretos para espaços públicos. Weissmann foi um artista fundamental; e, para a escultura brasileira, prossegue no tempo – com sua obra. E, em especial, para o movimento concretista e na transição para o neoconcretismo. Para as artes, Weissmann contribuiu na construção de um tempo de originalidade onde a matéria dinamizou os espaços. Com suas obras, buscou a síntese da tridimensionalidade e todos os ângulos e vértices propícios aos devaneios visuais que só uma obra de arte pode incitar.

Nas décadas de 1980/90, Weissmann retoma as pesquisas estéticas e trabalha em seu ateliê no Rio de Janeiro. Em 1989, cria a escultura Grande flor tropical (em aço pintado) para o Memorial da América Latina, em São Paulo.

No final da década de 1990, trabalha a série Mondrianas, inspirada no pintor holandês Piet Mondrian. Em 1993, recebe o Prêmio Nacional de Arte do Ministério da Cultura.

Segundo Paulo Venâncio Filho (1998), Weissmann, naturalizado brasileiro, é o artista com maior número de obras expostas em cidades brasileiras. No Rio de Janeiro, há obras no Conjunto Universitário Cândido Mendes, na Avenida República do Paraguai, no EdiRio Diesel-Mercedes Benz, em Nova Iguaçu, na Casa de Cultura Laura Alvim, no Parque da Catacumba, no Museu de Arte Moderna/RJ, no Edifício da IBM do Brasil, e na Rua Alexandre Herculano. Em Minas Gerais, tem grandes construções na frente do Edifício Minas máquinas-Mercedes Benz, em Contagem e no Palácio das Artes, em Belo Horizonte. Em São Paulo, é possível encontrar seus trabalhos expostos no Jardim das Esculturas, no Parque do Ibirapuera, na Praça da Sé, na estação Conceição do metrô e no Memorial da América Latina.

Sua última mostra, A poética da forma, ocorre em março de 2004 no Museu de Arte Contemporânea de Niterói, ao lado de Oscar Niemeyer e Tomie Ohtake. A filha do artista relata que até o último dia de vida seu pai insistia em criar e produzir – mesmo recuperando-se de um infarto no miocárdio, ainda visitava o ateliê para fazer suas maquetes. Weissmann faleceu aos 90 anos, em 18 de julho de 2005, aos pés da Lagoa Rodrigues de Freitas, Rio.

A obra de Weissmann é caracterizada por formas básicas, geométricas; amplos espaços internos abertos e a exclusão radical do ornamento. Hoje, “simplificada” até como obra minimalista. A densidade dos volumes e das cores reiteram a potência da sintaxe visual da forma do “menos é mais”. Na obra de Weissmann, a cor pura, primária, também torna-se um fator de expansão para o movimento da forma no espaço. A cor indispensável como elemento visual interage com o ambiente. A cor concreta, e a concretude dos próprios materiais utilizados, avoca a forma e o espaço como elementos compositivos. A cor não resulta apenas da cor densidade, mas também da cor-luz. E a luminosidade incidente potencializa integralmente a escultura e a amplitude dos movimentos no espaço urbano. A cor é integrante (e integra) os componentes abstratos-geométricos. A cor interage e unifica a obra.

Os desdobramentos desta sintaxe deslocam um olhar intuitivo e curioso – ou seria ao contrário (?!). Uma relação diretamente contemplativa e de proficuidade que o observador estabelece com a obra-escultura. E a (re)afirmação que a arte também se faz urgente no espaço público da cidade é lembrada pelo crítico Frederico Morais (MORAIS, 2018):

O vazio é, na verdade, uma presença, um espaço novo, surpreendente. É um silêncio que subitamente grita e se faz ouvir. Contudo, é na torção que reside a essência de sua operação visual, hoje. Toda torção guarda a memória do corpo. As estruturas torsas de Weissmann também. As mãos do artista estão, subjacentemente vergando, inclinando, encurvando, encaracolando, labirintizando ou desarticulando cubos, colunas, lâminas fitas. Nas esculturas de grande porte, destinadas ao espaço público – cantoneiras, canaletas, torres etc –, o substrato tecnológico-industrial, é quase um estilo.

Com os princípios do concretismo, o artista rejeitou tudo que fosse superficial com o intuito de alcançar a essência da forma. Por isso a maleabilidade, as dobras, os recortes assimétricos perseguindo vazios. Vazios, porém, vácuos ativos. Trajetos contínuos/descontínuos. Poucas esculturas ocupam o espaço público propiciando tanto criatividade para o observador anônimo: a dimensionalidade integradora do espaço e da arte. Muitas vezes sem a correspondente placa com informações técnicas, a obra predispõe especulações. Devaneios. Da arte. Weissmann comumente batia e rebatia nas lâminas metálicas geometrizadas. Amarrotou chapas industriais de aço – este, um elemento constante de suas esculturas. Experimentou construções inovadoras com movimentos e superfícies dos planos; transformou o objeto calculado e bidimensional em proporções tridimensionais – um outro novo volume no espaço. Haja vista a obra Terra (1984) – circunferência deslocada de seu próprio eixo.

Fotografia. Franz Weissmann. Terra, 1984. Ferro. Rua da Assembleia com Rua 1º de Março, Rio de Janeiro, 20 de abril de 2018. Coleção: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
(foto da autora).

A obra de Weissmann nega qualquer ideia estática de monumento. Em promoção ao transitório, a obra reluta num deslocamento, inevitavelmente, aleatório. As articulações com o cubo, o retângulo ou a fita são expansivas ou concentradas – como na obra Retângulo vazado; mas invariavelmente instáveis e provisórias – como revela a obra Terra. Ainda quando assumem a escala de monumento / obras permanentes, as obras do artista assumem a dimensão do contexto da cidade e do espaço urbano. A percepção visual imediata tem destino ativo, inesgotável e inacabado. Incansável. A cada ângulo, uma nova sensação, um novo olhar. Símbolo da modernidade contemporânea: o por vir. Reticências do imaginado.

Fotografia. Franz Weissmann. Retângulo vazado (1996). Ferro. Praça Tiradentes, Rio de Janeiro, 20 de abril de 2018. Coleção: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (foto da autora).

Referências bibliográficas

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Sites oficiais dos artistas

http://www.fw.art.br/