por Jandira Oliveira.
Heineken Cube (2014), de Muti Randolph. Instalação luminosa, feita para a Heineken no Popload Festival. Nessa instalação as seis faces do cubo são superfícies cobertas por espelhos e LEDs. Os visitantes ao entrarem na instalação podem vivenciar a experiência sensorial que resulta da interação entre música e iluminação, característica da obra do artista.
Fonte da imagem: site do próprio artista.
Muti Randolph é um artista visual nascido e criado no Rio de Janeiro, formado em Comunicação Visual e Design Industrial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). Considerado um dos expoentes da Arte Digital no Brasil seus projetos, à primeira vista, chamam atenção por sua complexidade visual e técnica.
A imersão sensorial característica de suas obras – criada a partir da conexão entre seus desenhos e o espaço físico onde a instalação luminosa está localizada – é resultado de uma pesquisa interdisciplinar envolvendo áreas habitualmente percebidas como conflitantes: Artes, Design, Arquitetura, Tecnologia e Biologia.
Porém, a trajetória do artista tem seu início na “simplicidade” das experiências presentes em seu cotidiano. Do fascínio pelas possibilidades do desenho e videogames, as imersões sensoriais presentes na natureza e no celebre trabalho da mãe musicista – a influência dessas vivências são reveladas conforme exploramos suas obras.
Artes Visuais e Música
Filho da pianista Clara Sverner, desde pequeno teve contato com o mundo das artes. Com apoio e incentivo de seus pais, que nutriram seus interesses ao longo da infância, Muti desenvolveu uma percepção as mais diversas experiências e possibilidades presentes em seu dia a dia.
“Inspiro-me nas coisas que me cercam […]. Um processo sugere uma ideia para outro processo, formando às vezes uma retroalimentação de ideias.”
entrevista para a FFW (2014)
Artes Visuais e Música se misturam já em seus primeiros trabalhos, ainda voltados para a Comunicação Visual e Publicidade, como a capa do álbum “Os cães ladram mas a caravana não pára” (1997), do Planet Hemp.
Aproximando-se do que viria a ser a estética característica de suas obras, o design de interiores para clubes noturnos como o D-Edge (2003) aponta os desdobramentos possibilitados pela tônica das instalações luminosas de Muti Randolph.
Segundo o artista, o clube deveria invocar a sensação de se estar no interior de uma máquina brutalista. A arquitetura de ângulos retos e o ambiente com poucos detalhes, formando assim uma espécie de “caixa preta minimalista”, mostrou-se o ideal para que suas instalações luminosas pudessem redefinir a arquitetura a partir da música.
No projeto são utilizados 200 retângulos de luz que cortam as paredes, teto e chão do clube, além de três painéis verdes em LED que se movimentam conforme a música tocada no ambiente.
O espetáculo “Sinestesia” (2012), desenvolvido em parceria com sua mãe, também explora a intrínseca relação entre música e a arte visual/digital. Nessa performance a música tocada pela pianista é transformada em elementos visuais pré-selecionados pelo artista. Isso é possível graças a um sistema de visualização de música especificamente desenvolvido para o espetáculo: scanners infravermelhos, instalados no piano, capturam o acionamento das teclas do instrumento e transmitem a informação para o sistema, que por sua vez as traduz em elementos visuais.
“A pianista toca imagens e o público enxerga a música”.
entrevista para a FUNARJ (2016)
Cidade e Biologia
Apesar do protagonismo que a tecnologia assume nas obras de Muti, outra grande influência encontra-se na natureza e Biologia – seja ela a prática do surfe ou a codificação do DNA.
O surfe ultrapassa os limites da atividade física e do lazer ao proporcionar ao artista, graças a percepção despertada ao longo de sua infância, as primeiras experiências sensoriais intensas e imersivas.
Partindo do seu interesse pela especificidade de tais experiências cogitou seguir os estudos na área da Biologia, porém optou pela Comunicação Visual. Isso não o impediu, no entanto, que continuasse a aprofundar seus conhecimentos na área e a utilizá-los na concepção de seus projetos.
Características como o biomorfismo são tão presentes nas obras de Muti quanto as formas geométricas e grafismo (que na contemporaneidade são associados a plástica tecnológica/modernista) seja em sua dimensão estética – como observado na cenografia feita para o desfile da Colcci, na Fashion Rio:
Como em sua dimensão conceitual e técnica, já que os processos biológicos influenciam na concepção das obras e no desenvolvimento dos softwares utilizados pelo artista:
O meu trabalho, apesar de parecer à primeira vista inorgânico, costuma conter no seu conceito e na sua execução princípios biológicos, e acaba sendo orgânico […] no movimento, no processo, na interatividade. Dizer que a tecnologia digital não é orgânica é desconhecer o fundamento da vida, que é digital, baseada em código, o DNA.
entrevista para o The Creators Project (2014)
Videogames e as “novas” tecnologias
O fascínio causado por um jogo de videogame rendeu a Muti Randolph inspiração para uma das características mais marcantes de sua obra, e tornou o artista um dos expoentes da Arte Digital brasileira que é o uso das “novas” tecnologias.
O jogo Surround (1977) lançado para o console Atari 2600 tem uma premissa simples: dois jogadores controlam um personagem identificado como um quadrado colorido na tela (o pixel). Conforme os personagens se movimentam, deixam um rastro ao longo do caminho percorrido, e o objetivo do jogo é encurralar seu adversário em meio ao traço deixado pelo seu personagem.
Um dos modos presentes no game permite que o jogador percorra livremente o espaço da tela, possibilitando assim que uma espécie de desenho seja feita a partir do rastro deixando pelo pixel.
[…] eu fiquei maravilhado com a possibilidade de interagir com luz e vídeo em tempo real.
entrevista para o The Creators Project (2014)
Muti destaca essa experiência como sua primeira envolvendo a prática de desenhar em uma tela eletrônica, uma experiência de “desenho com luz” (utilizando os pixels e o vídeo, no caso a TV). A prática de desenhar possibilitada pelo videogame o aproxima dos conhecimentos relacionados à Tecnologia como a Arte Digital e desenvolvimento de softwares.
Para realizar seus projetos, Muti desenvolveu seu próprio programa de visualização de música inspirado em medidores de volume de áudio e analisadores de espectro de áudio.
Imersão sensorial e a efemeridade do espaço
O software permite que a música seja processada e visualizada a partir de formas geométricas, cores, e desenhos criados pelo artista. Já o resultado dessa conexão entre música e visual é materializado, em tempo real, no espaço físico através do uso da iluminação. As ilustrações e formas apesar de sua característica gráfica (2D) ganham o espaço físico (3D).
Ao utilizar a Luz como sua principal materialidade, Muti explora sua capacidade de transformar o ambiente ao longo do tempo em função da música.
Aqui se estabelece um complexo jogo de relações: a música determina o visual que ao ser materializado através da luz no espaço, por sua vez o redefine. O resultado é uma experiência estética de impermanência dentro do ambiente, e de imersão sensorial que se inicia no instante em que as ilustrações de Muti Randolph conquistam o espaço onde a obra está instalada:
Eu gosto muito de projetos que envolvam projeções porque é possível projetar em superfícies onduladas; essa é minha parada. Trabalho com distorções físicas, com imagens simples que são fisicamente obrigadas a mudar por causa do espaço. Depois é uma mescla de esculpir e iluminar, com a estrutura de luz e com música […]. Existe um suporte 3D para os gráficos.
entrevista para o The Creators Project (2010)
A arquitetura, que serve de suporte 3D para suas obras, acompanha e é transformada em função da conexão entre Música e Luz (Visual), criando assim uma espécie de “arquitetura em fluxo”. Essa que é em sua essência efêmera, já que os desenhos que visualmente a determinam, são primeiramente definidos pela música – que acontece no e tem o seu próprio tempo.
Você se considera um artista, um arquiteto ou um designer? Você vê alguma diferença entre essas três coisas? Não sei, tenho essa dúvida também. Acho que meu trabalho está entre todas estas disciplinas, abrangendo um pouco de cada uma.
entrevista para o The Creators Project (2010)
As obras de Muti Randolph são referências da Arte Digital brasileira, e conforme a exploramos descobrimos novas possibilidades de abordá-las.
Sua trajetória chama atenção para entendimentos como: a influência de experiências marcantes nas obras dos artistas; e as possibilidades que uma pesquisa interdisciplinar pode oferecer quando exploramos algo que nos instiga.
Por vezes, a inspiração se encontra nos acontecimentos mais “simples” de nosso cotidiano, e as maiores criações são resultados das conexões orgânicas que vamos tecendo ao longo da vida.
Para conhecer outras obras do artista, visite seu site oficial. Disponível em: http://www.mutirandolph.com/
Conteúdos pesquisados:
Conheça Muti Randolph, que começou como designer gráfico e hoje é referência na criação de ambientes interativos. Entrevista para o jornal EXTRA. Disponível em: extra.globo.com
Pianista Clara Sverner e artista visual Muti Randolph desafiam os sentidos na Sala Cecília Meireles. Disponível em: FUNARJ
A confusão entre a realidade e o sonho na obra de Muti Randolph. Entrevista para o The Creators Project. Disponível em: vice.com
Muti Randolph fala de tecnologia 2D, 3D e ferramentas de criação. Entrevista para a Revista Luz & Cena. Disponível em: musitec.com.br
Artista carioca Muti Randolph lança ‘Timespaces’, seu primeiro livro. Entrevista para a FFW. Disponível em: ffw.uol.com.br
Muti Randolph. Entrevista para o The Creators Project. Disponível em: vice.com
Criador de ‘concertos visuais’, Muti Randolph fala sobre sua carreira. Entrevista para o jornal Estadão. Disponível em: TV ESTADÃO
Autor e Design – Muti Randolph. Web série para La Lampe. Disponível em: La Lampe.