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Pesquisas em Arte

Semana de Arte Moderna de 1922

(Pesquisa Turmas 2C e 2D, ensino médio, CAp-Uerj, 2022)

(Revisão Renan Araujo, bolsista PIBIC)

As discussões em torno da necessidade de renovação das artes surgem em meados dos anos 1910, em textos de revistas e exposições, como a Exposição de Arte Moderna (1917), de Anita Malfatti que promove com suas obras as características do Expressionismo.

O homem amarelo,
Anita Malfatti (1917).

Em 1921, a intenção de transformar as comemorações do Centenário em momento de emancipação artística já se manifesta entre intelectuais como Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia. Contudo, a ideia da Semana de Arte Moderna, segundo Mário de Andrade, pertence ao pintor Di Cavalcanti e ao influente escritor Graça Aranha, o qual, chegando do Rio em outubro de 1921, comunicou-a aos companheiros (BATISTA, 1972, p. 74). Em suas memórias, Di confirma esse fato. A proposta era a de unir aos festejos do Centenário da Independência do Brasil, em 1922, o marco de outra independência, a da cultura brasileira, paradoxalmente sob inspiração das vanguardas estéticas europeias: a futurista, a cubista, a expressionista e a dadaísta.  

Capa do catálogo da exposição da Semana de Arte Moderna.
Capa do programa da Semana de Arte Moderna de 22.
Ambas as autorias, de Di Cavalcanti.  

Como a abolição da escravatura havia sido recente, o país era formado, na sua maioria, pela população negra. Diante disso, parte da elite almejava o “embranquecimento” da população brasileira para difundir a hegemonia da cultura europeia – considerada civilizada – em contraposição a toda bagagem cultural de negros e indígenas, além de seus descendentes considerados primitivos, conceito fruto de ideias eugenistas.   

A Semana constou de uma exposição de pintura de 13 a 18 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo sendo que, nos dias 13, 15 e 17, houve três espetáculos com atividades variadas: conferências, leituras de poemas, danças, recitais e concertos musicais. O festival de abertura teve a participação de Graça Aranha, com a conferência “A Emoção estética na arte moderna”, pouco entendida pelo público. Seguiram-se números de música, poesia, piano e dança, além de outra conferência de Ronald de Carvalho, “A Pintura e a escultura moderna no Brasil”. Na Semana houve uma exposição concebida com cerca de 100 obras, aberta diariamente no saguão do teatro. 

 Anúncio no jornal O Estado de São Paulo, 17 fev 1922, p. 5.  Disponível em: Brasil – 1º tempo modernista, 1917/29 (VENTURA, 2022). 
Anúncio no jornal O Estado de São Paulo, 11 fev 1922, p. 5. Disponível em: Brasil – 1º tempo modernista, 1917/29 (VENTURA, 2022). 

Os leitores souberam da Semana nos textos noticiosos da seção Artes e Artistas, em meio a outras atrações culturais da cidade.​ No principal texto, publicado na terça-feira de 14 de fevereiro, dia seguinte ao primeiro festival, como era chamado cada um dos três dias do evento, o jornal transcreveu a conferência do diplomata e escritor Graça Aranha na abertura da Semana Arte Moderna, na qual falava sobre as intenções do grupo ali reunido para uma plateia que pagou equivalente a 500,00 reais atuais para sentar-se em uma cadeira comum, ou R$ 4.650,00 por lugares nos camarotes e frisas, naquelas três noites. ​ 

Nestes anúncios, o que também nos chama a atenção são os nomes dos participantes que compõem a exposição. Estes integrantes foram convidados pela artista Anita Malfatti (SP, 1884-1964), principal expoente do Modernismo brasileiro, à época. Lendo o catálogo, tem-se um panorama dos nomes dos artistas, títulos das obras e organização das linguagens na Exposição, como nos campos da Arquitetura, Escultura e Pintura. Ao observar as propagandas, destaca-se a intensa presença feminina nas apresentações, uma vez que além da pianista Guiomar Novaes (1894-1979), somente Heitor Villa-Lobos (1887-1959) teve recepção semelhante. Com isso, é fundamental citar a atuação de Malfatti no processo de organização da Semana de 1922, em razão de ter reunido artistas importantes da época para a realização do evento (VENTURA, 2022).  

Entre os pintores participam Anita Malfatti (1889-1964), Di Cavalcanti (1897-1976), Ferrignac (1892-1958), John Graz (1891-1980), Vicente do Rego Monteiro (1899-1970), Zina Aita (1900-1967), Yan de Almeida Prado (1898-1987) e Antônio Paim Vieira (1895-1988), com dois trabalhos feitos a quatro mãos. No campo da escultura, estão presentes Victor Brecheret (1894-1955), Wilhelm Haarberg (1891-1986) e Hildegardo Velloso (1899-1966).  

A arquitetura foi representada pelo espanhol Antônio Garcia Moya (1891-1949) e pelo polonês Georg Przyrembel (1885-1956). Entre os literatos e poetas, participam Graça Aranha (1868-1931), Guilherme de Almeida (1890-1969), Mário de Andrade (1893-1945), Menotti Del Picchia (1892-1988), Oswald de Andrade (1890-1954), Renato de Almeida, Ronald de Carvalho (1893-1935), Tácito de Almeida (1889-1940), além de Manuel Bandeira (1884-1968), com a leitura do poema “Os Sapos”. A programação musical traz composições de Villa-Lobos (1887-1959) e do francês Debussy (1862-1918), interpretadas pela pianista Guiomar Novaes (1894-1979) e por Ernani Braga (1888-1948). 

Mas, como representar artisticamente uma arte “abrasileirada” para os nativos se a Semana de Arte Moderna não representou a diversidade cultural do país? Os Artistas do Evento representavam uma elite branca, quase exclusivamente paulistana, sendo alguns deles descendentes da aristocracia cafeeira. Sendo assim, o encontro destes artistas em um espaço cultural que reforçou a colonização do território brasileiro se tornou, é verdade, uma grande ocasião entre amigos para, de certo modo, reforçarem a europeização também nas Artes.  

A Semana foi o marco de ruptura do movimento de intelectuais que desestabilizou o sistema tradicional da cultura brasileira. A participação dos artistas foi uma rejeição ao conservadorismo vigente na produção literária, musical e visual. Os artistas participantes da Semana, das mais variadas linguagens artísticas, buscaram as estéticas das vanguardas europeias, porém, com temáticas nacionais. A cultura popular, as casas e paisagens brasileiras, como por exemplo, ganharam destaque nas obras que buscavam um único significado para o que seria a “brasilidade”. Esta busca não se extinguiu no decorrer da Semana, uma vez que se mantém ao longo dos anos através do Modernismo brasileiro, com os manifestos e artistas que não participaram da Semana, mas que são grandes nomes do movimento, como Tarsila do Amaral.  

É inegável que as estéticas pronunciadas pelas vanguardas europeias, através dos novos olhares, estilos, técnicas e inovações artísticas, influenciaram a Semana de Arte Moderna em 1922 de modo a fomentar a exaltação da cultura brasileira através das particularidades de suas temáticas. A proposta artística da Semana evidenciou a fauna, flora, formas e cores libertos do padrão acadêmico de representação.  

Os artistas buscaram uma arte essencialmente brasileira ao implementarem as temáticas cotidianas a novos processos estéticos advindos das linguagens artísticas – o que os levou a romper com os modelos miméticos da arte acadêmica, apesar de que as influências estéticas foram baseadas “nos ismos” das vanguardas artísticas europeias que aconteciam concomitantemente em profusão de diferentes países.  

Mais adiante, não por coincidência, a Arte brasileira se dividiu, por muitos anos, em dois grupos. Um que representou, de algum modo, o gosto e os costumes da elite influenciada pela produção europeia. E um outro grupo que representou o povo através da valorização da Arte Popular e da Arte Naif. Cria-se, assim, uma classificação social que subdivide a produção artística aos moldes de uma sociedade colonizada.  

A manifestação cultural no Teatro Municipal de São Paulo, de fato, tornou-se um evento superestimado já que foi uma pequena amostra e tentativa por uma modernidade brasileira. No entanto, é importante ressaltar que mesmo se tratando da profusão artística de um pequeno grupo, os alcances estéticos podem ser considerados, ainda hoje, como uma conquista, quer dizer, despertando a ideia de modernidade na produção artística brasileira. Esta movimentação promoveu rompimentos estéticos dos padrões artísticos em busca de novas formas de expressões e linguagens, gerando um importante debate do que viria a ser “moderno” no Brasil naquela época e que repercute até nossos dias.   

 Logo adiante à Semana de 22, ainda em 1922, alguns artistas que não participaram do evento de Arte, tais como as pintoras Tarsila do Amaral (SP, 1886/1973) e Anita Malfatti (SP, 1889-1964), e os escritores Mário de Andrade (SP, 1893-1945), Oswald de Andrade (SP, 1890-1954) e Menotti del Picchia (SP, 1892-1988), reúnem-se no que ficou conhecido como o Grupo dos Cinco. Mario de Andrade também esteve junto a esses artistas de modo a impulsionar o movimento modernista no Brasil.  

Entre os anos de 1922 e 1930, muitas ideias modernistas ganharam força no Brasil. Com a proliferação de publicações em São Paulo e no Rio de Janeiro, a população começou a ter acesso a obras com conteúdo crítico e passou a formar suas opiniões e tomar consciência a respeito da realidade da sociedade brasileira daquele período. 

 
O Grupo dos Cinco e a influência na Semana de Arte Moderna 

 No ano de 2022, é comemorado o centenário da Semana de Arte Moderna. Com esta data, antigas e novas reflexões voltam ao pensamento não apenas de artistas visuais, mas também de professores de Arte das escolas da educação básica que procuram relacionar as reverberações da Semana na atualidade e no espaço escolar. De fato, cem anos depois, cabe, ainda, questionar a ideia proposta por tais artistas: Como seria possível unificar o Brasil diante tantas linguagens artísticas e frente as grandes diversidades culturais e desigualdades sociais?  

Outro ponto a ser abordado nesta discussão seria o fato de que os artistas presentes pertenciam a uma classe média abastada ou até mesmo às grandes elites dominantes política e socialmente. Com isso, estereótipos, distorções de representatividade e um falso mito da democracia racial acabaram por serem reforçados esteticamente nas mãos destes artistas que tanto pretendiam “representar o povo”.  

De todo modo, é inegável que a Semana de Arte Moderna promoveu um repensar da estética da arte brasileira, no entanto, é necessário que o debate continue circulando no campo do ensino em diálogo com os referenciais identitários.   

ERA UMA VEZ O MODERNO | Modernismo Hoje – YouTubehttps://www.youtube.com/watch?v=AZ_aUrExC9k

Considerada a maior mostra sobre o modernismo brasileiro já realizada, reúne mais de 300 obras e documentos inéditos sobre a intimidade dos artistas e pensadores modernistas. Centro Cultural FIESP, São Paulo. 

Referências bibliográficas 

ABAPORU. In ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra1628/abaporu. Acesso: 11 de julho de 2022. Verbete da Enciclopédia. 
 

AIDAR, L. Semana de Arte Moderna. Toda Matéria. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/semana-de-arte-moderna/amp/. Acesso: 10 jun. 2022. 

ANDRADE, C. D. Uma pedra no meio do caminho: Biografia de um poema. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1967. 

ANDRADE, O. de. (1928, maio). O manifesto antropófago. Revista de Antropofagia, nº 1, p. 3. 

BANDEIRA, M. Libertinagem & Estrela da Manhã. Rio de Janeiro: Media Fashion, 2008. 

BATISTA, M. R. et alii. Brasil: 1° tempo modernista – 1917/1926; documentação. São Paulo: USP-IEB, 1972. 

BUTLER, J. Vida Precária, os poderes do luto e da violência. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 2019.  

CASA MÁRIO DE ANDRADE. O Grupo dos Cinco e a influência na Semana de Arte Moderna.  

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=1VPLqg1bluE&ab_channel=CasaM%C3%A1riodeAndrade. Acesso: 11 set. 2022. 

JARDIM, E. Apontamentos sobre o Modernismo. 100 anos da Semana de Arte Moderna de 1922. Revista Estudos avançados USP, 36 (104), Jan-Apr 2022. Disponível em   

https://www.scielo.br/j/ea/a/rJrjpdNsG4c4BWHgkXT8CHx/

NASCIMENTO, E. B. A semana de arte moderna de 1922 e o modernismo brasileiro: atualização cultural e “primitivismo” artístico. Niterói, UFF, Revista Gragoatá, (39), 2015. Disponível em https://periodicos.uff.br/gragoata/article/view/33354  

O Homem Amarelo. In ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra2054/o-homem-amarelo. Acesso: 11 de julho de 2022. Verbete da Enciclopédia. 

PONTUAL, R. Entre dois séculos. Rio de Janeiro: JB, 1987. 
 

SEMANA de Arte Moderna. In ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2022. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/evento84382/semana-de-arte-moderna. Acesso: 11 de julho de 2022. Verbete da Enciclopédia. 
 

VENTURA, A. Centenário da Semana de Arte Moderna de 1922. Fundação Clóvis Salgado. Disponível em: https://fcs.mg.gov.br/centenario-da-semana-de-arte-moderna-de-1922/. Acesso: 10 jun. 2022. 

ZILIO, C. A querela do Brasil: a questão da identidade da arte brasileira: a obra de Tarsila, Di Cavalcanti e Portinari, 1922-1945. Rio de Janeiro, Relume Dumará, 1997.  

http://www.mac.usp.br/mac  

  http://ver-anitamalfatti.ieb.usp.br/1923-1925/  

  https://artsandculture.google.com

https://enciclopedia.itaucultural.org.br

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